Em pleno voo

Bate-papo com a autora Ana Helena Stein

Editora Voo - Bate-papo com a autora Ana Helena Stein

Por Fernanda Paraguassu
(Coordenadora Editorial)

Levanta a mão quem nunca deixou uma criança comer em frente a uma tela. Perdi as contas de quantas vezes Barney, Backyardigans e Clifford foram excelentes companhias durante a refeição dos meus filhos.

Podem me julgar, podem tacar pedras, tenho filhos crescidos. Hoje consigo olhar para trás e ver o tantão de coisa errada que fiz. E outro tantão de coisa que acertei também. Afinal, são jovens incríveis, apesar de seguirem com seus celulares grudados ao corpo. De minha parte, faço festa quando respondem às minhas mensagens e agradeço às forças divinas quando atendem às minhas ligações. Quer saber mais? Pasmem: eles também reclamam que vivo grudada no aparelho quando estamos conversando.

Exageros meus à parte, o uso excessivo de computadores e smartphones é um dos motivos que alçaram o Brasil ao topo da lista de países com mais gente ansiosa no mundo, segundo relatório da Organização Mundial da Saúde (OMS). Quanto maior o tempo de uso de telas, maior o nível de ansiedade. E as crianças são as mais vulneráveis. Mães, pais, avós…, não se culpem. É hora de entrar em ação. Então, como fazer?

Apresentar alternativas ao uso da tela. Explorar o aqui e agora. E essa é a proposta do livro de Ana Helena Stein. Separar um tempo para a leitura com a criança, em casa ou em sala de aula, e contar a história de Dora é um excelente ponto de partida para despertar outros interesses. Se você também quer encontrar outros caminhos para a criança, conheça o livro Dora, na prática do Aqui e Agora. Aliás, é uma leitura recomendada para todas as idades. Leia o bate-papo e descubra como a autora explora o tema.

Ana Helena Stein, autora do livro Dora, na prática do Aqui e Agora, publicado pela Vooinho, também escreve no @artenobule, um projeto desenvolvido a partir da parceria com Karen B. Couto, ilustradora do livro da Dora. É psicóloga clínica junguiana, estudiosa do ser humano, curiosa pelas coisas da vida.

1 – O que inspirou você a escrever um livro infantil sobre autoconhecimento e a importância de desacelerar?

A inspiração sempre vem de vários lugares, é uma soma com muitos fatores. No caso do livro da Dora, um deles foi meu trabalho na clínica com crianças e adultos. Ao longo da psicoterapia, percebo como estacionamos no passado ou nos aceleramos no futuro, e as consequências a curto e longo prazo que esse movimento desencadeia. No caso das crianças, principalmente as menores, esse movimento vem predominantemente dos adultos ao seu redor, que mesmo sem a intenção ou a ação consciente, influenciam os pequenos. Além da atenção à criança, um grande desafio da psicoterapia é trabalhar com esse entorno. Por isso, a minha vontade inicial era de desenvolver um material que as crianças e os pais pudessem levar para casa, para além da hora terapêutica, e o tivessem como incentivo em desenvolver essa ferramenta essencial no processo de autoconhecimento, que é a Observação no Aqui e Agora. As crianças fazem naturalmente isso quando brincam. Elas estão imersas no tempo presente! Isso é fundamental para o nosso desenvolvimento, pois descobrimos o mundo na brincadeira a partir dos nossos sentidos, e com isso temos uma oportunidade muito especial de descobrirmos nosso mundo interno também, nos conhecermos melhor ao longo das fases da nossa vida.

A Dora, que inicialmente era esse material, foi escrita também com inspiração na minha própria infância, nas memórias que tenho quando brincava e das coisas que descobria quando observava o mundo ao meu redor, como o cheiro de grama molhada no quintal, o som do sino quando batia na escola e avisava a hora de entrar, a árvore com tronco enorme e esquisito, mas que abrigava as brincadeiras diversas, e assim tantas outras experiências que ficaram gravadas na memória justamente por estar presente nesses momentos, no Aqui e Agora. Foi a partir desse material inicial que a Dora foi se desenhando como livro, que encontrou seus contornos nos traços da Karen, a ilustradora do livro! Percebi então que poderia alcançar muitas outras pessoas, crianças e adultos, que vivem hoje (assim como eu) em um mundo tão acelerado. Penso que desacelerar, nesse sentido, seja mais um desdobramento, uma consequência de estar com o corpo, a mente e as emoções presentes no mesmo espaço e tempo, e a Dora nos ensina como fazer isso!

2 – Como você acredita que as crianças podem aprender a aproveitar o momento presente em um mundo tão acelerado?

Elas naturalmente fazem isso quando brincam. E a brincadeira é a linguagem universal do ser humano. Em alguma fase da vida, todos nós brincamos! São os momentos em que “testamos” nossos sentidos, descobrimos o mundo ao nosso redor através deste aparato completo que é o nosso corpo. São os primeiros passos e talvez os mais importantes para desenvolvermos um conhecimento sobre nós mesmos e sobre o que nos cerca. Porém, estamos em um tempo onde a tecnologia evolui tão rápido, as coisas se transformam em uma velocidade difícil de acompanhar, e talvez um dos maiores desafios hoje seja proporcionarmos para as nossas crianças espaço livre e tempo para que elas possam brincar, despretensiosamente, apenas brincar sem intervenção tecnológica, pedagógica ou com alguma finalidade. As crianças vão brincar, independente do que oferecemos ou não adequadamente a elas. Mas se pudermos favorecer estes momentos, com certeza podemos contribuir bem mais para o desenvolvimento delas.

3 – Quais estratégias você usou no livro para traduzir esses conceitos complexos para o universo infantil?

Acho que a maior estratégia foi acordar a criança que já fui! Além, claro, do contato com crianças ao meu redor. Meus pacientes, meus sobrinhos e tantas crianças que já conheci em trabalhos anteriores. Entrar no mundo delas com muito respeito e abertura para conhecê-las de verdade, sem julgamentos ou pretensões, foi fundamental neste processo.

4 – Como pais e educadores podem usar o livro para estimular conversas sobre autoconhecimento com as crianças?

Como disse anteriormente, se favorecermos tempo e espaço para que elas explorem os próprios sentidos (tato, audição, olfato, visão e paladar) como a Dora ensina, já é um passo importante! O livro é um incentivo para que a prática se torne um hábito consciente, neste sentido. Por isso, a leitura guiada com crianças menores é ótima, e principalmente que os pais ou educadores sigam também os desafios que a Dora propõe, pois faz toda a diferença quando queremos ensinar algo às crianças. Até os cinco anos, aproximadamente, somos seres de imitação predominante. Imitamos tudo e todos, muito! E por isso o mundo ao entorno é tão importante nessa fase. Não é determinista, mas com certeza influencia bastante. A partir do desenvolvimento de outras percepções, para além da sensorialidade, como o pensamento racional ou abstrato, os nossos sentimentos, as nossas intuições, entre tantos outros aspectos do nosso mundo interno, teremos um repertório valiosíssimo para o autoconhecimento desta esfera, que é a capacidade de aprender a Observar! Observar como é tal sentimento, tal pensamento ou ideia, observar como é aquela emoção que a princípio nos governa, nos tira do eixo. Como é, Aqui é Agora, essa experiência que estou vivendo? Por isso o que a Dora ensina é fundamental como base para esse autoconhecimento.

5 – O que levou você a escolher Dora como protagonista para explorar o tema?

Essa história é curiosa! A princípio a Dora, na verdade, não havia sido desenhada como personagem, tampouco com este nome. Era “apenas” um material. Quando entreguei este material para a Karen, pedi que ela realizasse os desafios primeiro, e percebesse se fazia sentido pra ela todo aquele conteúdo. Nos encontramos um tempinho depois e eu fui apresentada à personagem mais que simpática e fofa que poderia conhecer naquele momento! Ainda não se chamava Dora, mas já era ela como conhecemos hoje. Quando enviamos o livro para a Voo, que também foi um encontro super especial, veio a sugestão do nome, que estava procurando pela personagem para poder existir! Foram muitos encontros para que a Dora viesse ao mundo do jeitinho especial dela.

6 – Há alguma experiência marcante de Dora que transforma sua perspectiva sobre o mundo acelerado?

Muitas! A Dora me ensina sempre, me ajuda a retornar para o Aqui e Agora, voltar para o presente uma mente por vezes acelerada também, que consequentemente bagunça as emoções, que me tira do eixo em determinados aspectos. Há algum tempo atrás ouvi de uma pessoa: “estou precisando de um pouco da Dora, ando voando muito com a cabeça”. É sobre isso! Adoro ouvir as histórias que chegam até mim por conta da Dora. Ouvi de outra pessoa que a filha estava aceitando o desafio de comer frutas para poder descobrir como elas eram, assim como a Dora. Ou uma criança que certa vez comentou “é como a Dora faz, né?!”, diante da minha pergunta sobre como ela poderia fazer para prestar atenção na aula que ela tinha tanta dificuldade de “parar quieta”.

7 – Quais aspectos da personalidade de Dora refletem os desafios e as curiosidades das crianças no mundo atual?

A Dora é curiosa, como todos nós naturalmente somos na infância! Ela nos mostra que a Observação pode acontecer independente de onde estejamos. Seja no pátio da escola, na sala de casa, no quintal ou no parquinho; podemos aprender a nos observar e observar o mundo ao nosso redor! Essa curiosidade independe do lugar. Podemos, sim, favorecer espaços e tempos propícios para a criança desenvolver essa Observação. Um espaço aberto na natureza, com crianças de diferentes idades, por exemplo, pode ser mais favorável do que as telas do celular ou televisão. Cada família, claro, encontra as maneiras mais adequadas à sua realidade para poder abrir estes espaços e tempos na vida da criança.

8 – Como Dora interage com o ambiente para aprender a desacelerar?

A Dora nos ensina a estar no ambiente! A estarmos com o corpo, a mente e as emoções no Aqui e Agora. Isso por si só, já nos faz voltar ao ritmo real da vida, ou, “desacelerar”. Experimente, onde estiver, prestar atenção nas cores que tem ao seu redor, das mais chamativas e em maior número, até as mais inusitadas ou únicas. Observe também o cheiro do seu antebraço esquerdo e da ponta dos dedos da sua mão direita. É igual ou diferente? Depois de fazer isso, repare onde esteve com os pensamentos… nessa busca ou percepção, ou no que você iria fazer depois, ou no que esqueceu, ou em qualquer outro lugar que não este em que está!

9 – A leitura de um livro demanda um tempo mais lento do que navegar pela internet, de concentração. Você concorda que o fato de ler um livro, de preparar o ambiente para a leitura, desligar os dispositivos tecnológicos, já pode ser o início do processo de desaceleração?  

Com certeza. Todo ritual que criamos indica que algo importante está por acontecer. Podemos fazer grandes rituais na vida, como celebrações, casamentos, formaturas, festas comemorativas, por exemplo; mas também podemos fazer rituais simples e diários para desenvolver bons hábitos, como o da leitura. Eles nos ajudam a compreender que este momento é especial!

10 – Que tipo de impacto você espera que as crianças levem consigo após ler o livro?

Desejo sempre que a Dora inspire uma vida mais presente, assim como ela me ensina sempre! Espero que as pessoas levem a experiência de como é se observar conscientemente, sejam crianças ou adultos. Que a Dora traga leveza para a hora da leitura e faça parte dos desafios de autoconhecimento de quem se propuser a segui-la!

 

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Postado em: 18 de janeiro de 2025

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