Em pleno voo

Bate-papo com o autor Ricardo Voltolini

Editora Voo - Bate-papo com o autor Ricardo Voltolini

Por Fernanda Paraguassu
(Coordenadora Editorial)

Ricardo Voltolini é considerado uma das primeiras vozes a falar de ESG, quando o tema da sustentabilidade empresarial ainda não estava na crista da onda. É CEO da Ideia Sustentável, fundador da Plataforma Liderança com Valores e autor do livro Vamos falar de ESG? – Provocações de um pioneiro em sustentabilidade empresarial, publicado pela Editora Voo. Segundo Voltolini, hoje é possível observar avanços importantes na agenda ESG. O tema ganhou destaque nas estratégias das empresas mais importantes do mundo.

O retorno de Donald Trump à presidência dos Estados Unidos, porém, trouxe apreensão para o debate. Entre os decretos anunciados por Trump, estava a saída dos EUA do Acordo de Paris, o que significa o fim do compromisso dos americanos de reduzir os efeitos da crise climática. Nas redes sociais, chegaram a falar sobre o fim do ESG. Além disso, algumas empresas pegaram carona no discurso do presidente e deixaram de lado políticas de inclusão da diversidade em seus quadros de funcionários. Foi um desânimo geral com o retrocesso. Basta passar os olhos nas manchetes dos principais jornais e rolar as redes sociais.

Então vem Voltolini, com uma análise ponderada sobre os efeitos de tudo o que foi anunciado nos EUA. Vou dar um spoiler do bate-papo: há esperança. A indignação é justa, segundo ele, mas devemos ter em mente que vivemos sob nova configuração mundial de forças. O Brasil pode acabar se dando bem com a saída dos EUA do Acordo de Paris, e chineses e europeus podem se mexer e provocar mudanças importantes. Leia a entrevista completa a seguir. E vamos falar de ESG!

1. Quais foram os avanços mais significativos no campo do ESG (Environmental, Social, and Governance) nos últimos anos, tanto no Brasil quanto no cenário global?

Observamos avanços importantes na agenda de ESG de empresas de todo o mundo. Na dimensão ambiental, temos evoluído, por exemplo, em estratégias de mitigação e adaptação climática, no uso de fontes de energias renováveis, na consideração do risco climático para o futuro dos negócios, na aplicação mais responsável de recursos como a água, na preservação de florestas e no pagamento de serviços ambientais. Hoje as mudanças do clima estão no centro das estratégias das empresas mais importantes. Muitas delas, já possuem compromissos de zero emissões líquidas de carbono. Na dimensão social, são evidentes os avanços na construção de ambientes de trabalho mais seguros, diversos, equitativos e inclusivos. Assim como nas políticas de investimento social em comunidades, no respeito aos direitos humanos e do trabalho na cadeia de valor e no desenvolvimento humano de colaboradores. Na dimensão da governança, são notórios os avanços nas políticas de ética e compliance, de compras sustentáveis, de inovação para a sustentabilidade, de participação em movimentos contra as mudanças climáticas; e nos relatos de sustentabilidade em conformidade com sistemas de informação cada vez mais restritivos e globais. Resultados de sustentabilidade têm sido cada vez mais considerados nas políticas de remuneração variável de líderes. Os conselhos de administração estão crescentemente mais preocupados com a gestão de ESG, o que tem elevado o número de comitês de apoio consultivo nos temas ambientais, sociais e de governança.

2. Como você avalia a situação atual da adoção de práticas ESG por empresas de diferentes setores? Quais desafios ainda predominam?

As evidências apontam para um aumento na adoção de práticas mais sustentáveis por empresas. Com o interesse cada vez maior no tema por parte dos atores de mercado, empresas de diferentes setores –mas especialmente as que geram maior impacto ambiental, utilizam muita energia ou emitem mais GEEs — têm aderido às diretivas e deliberações relacionadas a ESG. Principalmente as europeias. Em todo o mundo, há centenas de leis e regulações associadas a ESG nas mais importantes economias. No Brasil, a Comissão de Valores Mobiliários (CVM), que regula as empresas de capital aberto, lançou em 2024 a CVM 193, resolução baseada no ISSB, que obriga a divulgação de relatórios de sustentabilidade padronizados a partir de 2027 no Brasil. Resoluções como a IFRS S2, ligadas às novas diretivas europeias, exigem que as organizações reportem aos usuários de relatórios financeiros como estão identificando, avaliando, priorizando e monitorando riscos e oportunidades relacionados ao clima. Neste momento, com o retorno de Donald Trump à presidência dos EUA, cresce um movimento de oposição ao ESG, denominado anti-woke [woke, do inglês “acordei”, significa despertar para a questão das injustiças raciais. A gíria surgiu na comunidade afro-americana dos EUA]. Como parte do processo, empresas norte-americanas de orientação republicana ou apenas tementes ao governo dos EUA vêm desmantelando sem constrangimento as mesmas políticas de DE&I [diversidade, equidade e inclusão] que divulgavam como parte de sua “cultura inclusiva”. Bancos e financeiras que aderiram a alianças voluntárias pela descarbonização, incluindo a icônica BlackRock (que há quatro anos incentivou este movimento), resolveram abandonar esses movimentos por absoluto oportunismo político-econômico. Para se manterem “competitivos” neste momento de incertezas na Europa, países como França e Alemanha estudam reduzir obrigações impostas pela regulamentação ESG.

3. De que forma a eleição de Donald Trump nos Estados Unidos impactou a agenda ESG, considerando as primeiras medidas anunciadas que deram o tom de sua nova administração? Quais serão os impactos para o Brasil?

O pacote inaugural de 78 decretos, apresentado pelo novo presidente dos EUA, em sua posse, reúne medidas que confrontam avanços importantes promovidos pela agenda ESG nos últimos anos. Não por outro motivo, tem sido chamado de pacote anti-ESG. Inclui medidas de recarbonização de um mundo em processo de descarbonização, que cancelam restrições à perfuração de petróleo e gás, revogam normas de emissão de carbono, flexibilizam padrões de eficiência energética, retiram subsídios para energias renováveis e aumentam o financiamento de combustíveis fósseis. Em relação às questões de diversidade e inclusão, compreendem ações que vão desde o fim da obrigatoriedade de treinamento de diversidade até a redefinição oficial de gênero baseada em sexo biológico e a redução de políticas de combate à discriminação no local de trabalho. Resta saber quanto do que foi prometido será realmente implantado.  Algumas ações são inconstitucionais e devem enfrentar resistência interna. Reações de líderes de todo o mundo demonstram forte oposição ao pacote de medidas. A retirada dos EUA do Acordo de Paris deve impactar os esforços globais pela redução de emissões de gases de efeito estufa. Isso causará impactos no Brasil, que tem se mostrado muito vulnerável aos efeitos das mudanças climáticas. Mas ainda são desconhecidos os reais impactos sobre o ESG. Há quem assegure que, com os EUA fora, o Brasil receberá um fluxo até maior de investimentos em fundos sustentáveis. O posicionamento de China e da Europa pode promover mudanças importantes no quadro.

4. Quais setores ou indústrias você acredita que têm o maior potencial para impulsionar a agenda ESG nos próximos anos?

Considerando que o principal risco da humanidade no curto prazo são as mudanças climáticas, segundo estudo do Fórum Econômico Mundial, e que o grande objetivo da agenda global de ESG é a descarbonização, todos os setores que geram energia ou utilizam muita energia estarão no centro das discussões. O desafio é a transição energética de uma base de fontes essencialmente fósseis para outra de fontes renováveis. Com as inovações tecnológicas, especialmente a ascensão da IA, espera-se um grande avanço nas empresas de mineração, de construção civil, do agronegócio, de aviação e transportes. O mercado financeiro tem também um papel crucial na ordenação de fluxo financeiro para a mitigação e ambiental das mudanças climáticas.

5. Quais tendências emergentes você prevê para o campo do ESG em um futuro próximo, considerando o avanço da tecnologia e as demandas sociais e ambientais crescentes?

Estudo recente do Observatório de Tendências de ESG, da Ideia Sustentável, listou algumas tendências importantes dentro de seis temas centrais. São eles:

  • Mudanças do clima e descarbonização: (1) consolidação da economia de baixo carbono, (2) financiamento climático em expansão, (3) Net Zero como objetivo central de empresas e países; e (4) transparência e relato ESG em alta.
  • Gestão de Riscos ESG: (1) de gestão de riscos para resiliência climática; (2) Foco em adaptação climática; (3) transparência e divulgação aprimoradas; (4) aumento de regulamentação e dos litígios climáticos; (5) desenvolvimento de habilidades verdes e capital humano;
  • Inovação para a sustentabilidade: (1) IA e machine learning para sustentabilidade; (2) maior engajamento do consumidor; (3) energias renováveis e armazenamento de energia; (4) ascensão da bioeconomia circular;
  • Diversidade, Equidade e Inclusão: (1) liderança mais inclusiva; ()2) jornada contínua; (3) ativismo e advocacy; (4) dados e métricas para a ação;
  • Desenvolvimento de comunidades e Investimento Social de Impacto: (1) investimento maior em cadeia de suprimentos sustentáveis; (2) mensuração e gestão de impactos; (3) comunicação mais transparente; (4) parcerias e colaboração multissetorial;
  • Liderança Consciente e sustentável: (1) engajamento de stakeholders, (2) colaboração e inteligência coletiva; (3) visão sistêmica e pensamento complexo; (4) cultura de ética e governança transparente; (5) mensuração e transparência do impacto.

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Postado em: 1 de fevereiro de 2025

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