À convite da Voo, Fernanda Paraguassu, autora de “A menina que abraça o vento”, respondeu a algumas questões sobre a obra, seu tema e as inspirações por trás da criação da personagem Marsene.
Confira abaixo!
Fernanda – A Cáritas RJ me ajudou nos primeiros contatos com os refugiados. A instituição trabalha desde os anos 1970 no acolhimento de refugiados que chegavam à cidade. Vinham de países como Argentina, Chile e Uruguai. Hoje, atende a refugiados de mais de 60 nacionalidades através do Programa de Atendimento a Refugiados e Solicitantes de Refúgio (PARES), que tem o apoio da Agência da ONU para Refugiados (ACNUR) e a parceria de várias entidades, universidades e coletivos. Quando li que o número de mulheres chegando ao Rio de Janeiro em busca de refúgio estava no mesmo que o dos homens busquei a instituição, que fica numa casa no bairro do Maracanã, para conhecer algumas histórias. Atualmente, muitas mulheres saem de seus países sozinhas com os filhos para pedir refúgio em outros países. O motivo não é mais reencontro familiar. São elas que estão indo na frente para abrir o caminho em busca de uma vida melhor.
Voo – Como surgiu a história da Marsene? Houve uma inspiração real por trás da personagem?
Fernanda – A história da Mersene foi inspirada em um grupo de meninas da República Democrática do Congo que frequentava a Cáritas RJ na época em que visitei a instituição. Foi a partir da observação de uma brincadeira no pátio da casa que surgiu a ideia de construir a história. Costurei pedaços de histórias que ouvi e de cenas que observei ali e que, junto com as ilustrações da Suryara Bernardi, deram forma ao livro.
Voo – Além de sua experiência na Cáritas, quais foram as obras infantis que inspiraram você para criar a narrativa de “A menina que abraça o vento”?
Fernanda – Além de sua experiência na Cáritas, quais foram as obras infantis que te inspiraram para criar a narrativa de “A Menina que Abraça o Vento”?
Lia para meus filhos desde pequenos. Lembro de reler livros da minha época, como Ou isto ou aquilo, de Cecília Meireles, e o Menino Maluquinho, de Ziraldo. Tem ainda vários de Ruth Rocha e de Ana Maria Machado. Poderia fazer uma lista (risos). Meus filhos são adolescentes hoje, mas continuo acompanhando as novidades na literatura infantil. Acredito que a construção da narrativa para meu livro teve a influência de todos esses livros que li nos últimos anos.
Voo – Qual é a importância de abordar temas tão sensíveis como o refúgio para o público infantil?
Fernanda – As crianças têm acesso a informações cada vez mais cedo. Quando a gente menos imagina, estão sabendo de um monte coisa. Se você não dá acesso à internet, o amigo terá. O refúgio é um assunto contemporâneo, está nos jornais, nos filmes, nas novelas… E o livro é uma forma de ajudar a explicar o que acontece no mundo em que estão crescendo. Ao contrário de um livro didático ou de uma cartilha, a literatura permite a criação de empatia, o estímulo à imaginação. Acho que mais importante do que evitar temas sensíveis é abordá-los de forma adequada a cada idade.
Voo – Como foi o seu processo de criação? Quais foram os desafios que surgiram ao longo do desenvolvimento da narrativa?
Fernanda – O desafio foi mostrar a Mersene como uma criança igual às outras. Sem torná-la vítima, tampouco guerreira. Porque todos temos forças e fraquezas. Então ora ela fica feliz, ora fica triste. No livro, a criança está no Brasil e tem uma rotina de uma criança interiorizada. Tem hora para dormir, brincar e ir à escola. E é nessa situação escolar que, muitas vezes, as crianças refugiadas continuam sendo desafiadas no processo integração. A ideia do livro foi disseminar o conceito do refúgio, explicar que refugiados não fogem porque fizeram algo de errado, mas porque buscam a proteção que o país de origem não pode mais dar. Nesse contexto, a história também aborda a maternidade, a perda, a saudade, a superação, a resiliência…
Voo – O que a escrita do livro contribuiu para a sua jornada?
Fernanda – A caminhada para a construção do livro foi incrível. Conheci pessoas que confiaram na minha ideia e se dedicaram a cada detalhe, como é o caso das sócias da Editora Voo – Claudia, Joana e Priscila. Do financiamento coletivo para tornar o livro realidade, aos eventos, feiras e editais, chegando a mais 250 mil exemplares em quatro anos. Hoje o livro está em todas as escolas públicas da cidade de São Paulo. Isso é resultado de um esforço e uma dedicação de profissionais comprometidas com os valores do seu negócio. No meu caso, o livro foi ainda o ponto de partida para minha dissertação de mestrado. Com o tema Narrativas de infâncias refugiadas – a criança como protagonista da própria história, meu trabalho final foi vencedor do Prêmio Compós 2021, na categoria Melhor Dissertação. Utilizei uma metodologia de escuta sensível, criei uma atividade lúdica para o contato com crianças refugiadas no Rio de Janeiro e observei cenas que registrei durante uma visita à Operação Acolhida em Roraima. Com base no depoimento de cada criança, escrevi histórias curtas que costuraram o texto da dissertação. Fiquei muito contente com o prêmio, porque foi um desafio e tanto inovar no formato sem perder o rigor acadêmico.
Voo – Por fim, gostaríamos que você nos contasse qual é o principal sentimento e o principal ensinamento que você espera que o livro desperte nos pais e nos leitores mirins.
Fernanda – O objetivo principal do livro é passar uma informação correta sobre o conceito de refúgio. A falta de informação sobre o tema é um dos principais obstáculos à integração dos refugiados e, em especial, das crianças. O livro não define de que forma a criança refugiada deve ser tratada pelo país acolhedor, apenas conta a história da menina. Mas depois que o conceito do refúgio está claro, parece que as pessoas ficam menos resistentes ao outro. Muitas vezes, essa resistência é uma reação ao desconhecido. E o livro tem esse aspecto de trazer conhecimento, de abrir um caminho para o respeito. Temos recebido um retorno bastante positivo em relação a isso. Nos leitores mirins, o livro tem despertado muita empatia. As crianças escrevem cartas para a Mersene e ainda – o mais sensacional – querem ficar amigas da menina que abraça o vento.